Menor orçamento contrapõe renovação da seleção brasileira de judô

Diminuição dos recursos projetam um ciclo olímpico enxuto para o judô brasileiro, mas o gestor do alto rendimento, Ney Wilson, garante que nada faltará no preparo para os Jogos de Tóquio 2020.

Após um ciclo vitorioso no qual o judô brasileiro recebeu grande investimento das iniciativas pública e privada, a modalidade defronta-se com um País mergulhado na recessão e terá de conviver com um orçamento menor e muito mais limitado do que havia projetado.

Esporte com melhor retrospecto olímpico, o judô iniciou a temporada 2017 revelando talentos e conquistando medalhas importantes nos principais torneios mundiais, garantindo a manutenção de sua tradição nos tatamis e até mesmo a inserção de vários personagens das categorias de base no ranking sênior da International Judô Federation (FIJ).

Há poucos dias o Ministério do Esporte sofreu um corte gigantesco em seu orçamento, e certamente vários convênios com a CBJ não serão renovados, o que resultará na diminuição da participação brasileira nos principais certames internacionais.

Gestor de Alto Rendimento da Confederação Brasileira de Judô (CBJ) desde 2004, Ney Wilson da Silva já passou por altos e baixos na entidade, mas, fundamentado no excelente retrospecto da modalidade, acredita na capacidade da CBJ de manter o Brasil entre as principais potências da modalidade. Nesta entrevista, ele mostra como isso será feito.

O início deste ciclo olímpico está sendo o avesso do que se viu em 2013?

Em relação a resultados da equipe principal ainda é muito cedo para fazer esta comparação. A grande mudança para este ciclo foi o novo sistema de classificação para a seleção com a adoção do ranking nacional sênior em 2017. Teremos um orçamento mais enxuto, mas cumpriremos nosso planejamento.

O que será mais difícil, reformular a seleção brasileira ou investir nos atletas que saem da base e buscam a equipe principal?

A reformulação da seleção brasileira após cada edição de Jogos Olímpicos é um processo de médio a longo prazo e, por isso, nunca será simples. Nossa preparação para Tóquio começou em 2015, quando criamos o Projeto Ohayo com o objetivo de encontrar atletas jovens com potencial para chegar bem em 2020. Estamos conseguindo cumprir tudo o que planejamos e, assim como fizemos nos últimos três ciclos olímpicos, não faltará nada na preparação da equipe para os Jogos de Tóquio.

Em todos estes anos, você já havia enfrentado um processo de renovação tão abrangente e adverso?

Não enxergo como um processo adverso. É um processo natural e necessário a qualquer modalidade.

Quais são os fatores complicadores da renovação de uma equipe?

O primeiro desafio é a prospecção de talentos e garimpar os atletas com potencial. Em seguida, desenvolvê-los para que possam chegar bem preparados ao objetivo final, que são os Jogos Olímpicos.

No Rio 2016, havia dois ou três atletas por peso, quase todos do sênior. Agora há judocas das classes sub 18, sub 21 e sênior. Qual é o panorama atual?

No ciclo Rio 2016 trabalhamos com três atletas por categoria nos dois naipes, ou seja, 42 judocas no total, a cada ano, e isso se mantém para este ciclo olímpico, com acréscimo dos atletas do Projeto Ohayou. Tivemos alguns provenientes da base, como Nathália Brígida, Jéssica Pereira, Tamires Crude, Samanta Soares, Daniel Cargnin, Rafael Macedo, Gustavo Assis, Leonardo Gonçalves e Ruan Isquierdo ao longo do processo, além de integrarmos a base com a equipe olímpica em diversos treinamentos de campo até a concentração final em Mangaratiba.

Além dos medalhistas do Rio 2016, quais atletas possuem cadeira cativa no time principal?

Nenhum atleta tem cadeira cativa no time principal. O critério que utilizamos para formar a equipe em 2017 é bem claro. Os medalhistas olímpicos do Rio e os atletas que ficaram no ranking da FIJ após o Grand Slam de Abu Dhabi 2016 garantiram suas vagas na seleção em 2017. As vagas que restaram em cada categoria foram preenchidas pela Seletiva Tóquio 2020 – Etapa I, realizada no início do ano. Para 2018, temos esse novo sistema com o ranking nacional classificando os primeiros colocados diretamente para a equipe principal. Todos têm de estar permanentemente comprometidos com o desempenho da seleção.

Com exceção de Rafaela Silva, os judocas que irão ao Panamá vêm da base. Os mais experientes vão para a Europa buscar medalhas e pontos no ranking da FIJ. Como se coadunam interesses e a disputa interna pelos pontos no ranking?

Nosso objetivo sempre foi manter uma forte competitividade interna para elevamos o nível técnico do judô brasileiro e, assim, alcançarmos resultados relevantes no circuito internacional. Nossas convocações são trimestrais e, à medida que o atleta vai obtendo resultado, damos novas oportunidades.

“O maior desafio deste ciclo olímpico é manter o judô brasileiro entre as principais potências do mundo.”

Não seria mais barato, fácil e simples colocar estes atletas se enfrentando no Brasil?

Isso já ocorre. Temos um calendário nacional de eventos bem consolidado que reúne a grande maioria dos atletas de seleção. Lutam por seus clubes nos Grand Prix Interclubes e Troféu Brasil, além de representarem seus Estados nos campeonatos brasileiros (regional e final). A partir deste ano veremos as grandes estrelas em competições nacionais com mais frequência, já que, para integrarem a seleção principal em 2018, os judocas com ranqueamento olímpico precisarão, obrigatoriamente, participar de alguma etapa que valha para o ranking nacional (estadual, regional, Troféu Brasil ou brasileiro final). No último fim de semana, por exemplo, a Sarah Menezes lutou o brasileiro da Região I pelo Piauí.

A maior experiência dos atletas que já atuam na seleção pode comprometer a evolução dos que ainda estão subindo?

Para um atleta jovem, “pegar no kimono” de um medalhista olímpico é sempre muito positivo. Não vejo como isso poderia comprometer a evolução deles, muito ao contrário.

Em comparação com o preparo do ciclo anterior, em termos percentuais, qual será o custo de formação da nova seleção?

No ciclo passado, nos preparamos para disputar os Jogos Olímpicos em casa. Certamente, a preparação para os jogos de Tóquio, do outro lado do mundo, será mais custosa.

Mesmo com poucas mudanças, a definição da equipe nos Jogos Rio 2016 foi traumática para alguns atletas e até para você. O formato atual também promete processos traumáticos?

É natural que o atleta se decepcione quando não consegue alcançar o objetivo para o qual se preparou a vida inteira. Mas os critérios de formação da equipe olímpica de judô na nossa gestão são claros e justos.

A diminuição dos convênios com o Ministério do Esporte interferirá no planejamento da gestão do alto rendimento?

Tenho plena confiança na estrutura da CBJ. Tenho certeza de que daremos a preparação adequada à equipe olímpica rumo aos Jogos de Tóquio.

O planejamento para este ciclo possui a mesma complexidade do ciclo anterior?

Certamente. Mas apresentará mudanças relevantes no processo de acesso à seleção principal com expliquei antes. Mas continuaremos investindo em competições internacionais e em treinamentos de campo nacionais e internacionais para preparar a equipe rumo a Tóquio.

Dá para prever quanto tempo a comissão técnica precisará para definir o time para Tóquio 2020?

Começamos o processo em 2015, com o Projeto Ohayou, e teremos até 2019 para definir os principais nomes que disputarão a vaga olímpica.

Surgiram novas competições, mudou o formato do ranqueamento e houve maior integração entre alto rendimento e base. O que vocês buscam com estas inovações?

A meta central é diminuir o gap entre as classes e, assim, facilitar o processo de transição do atleta da base para a seleção principal, sempre de forma clara e justa.

O Brasil inscreveu 465 atletas no Rio 2016, e o judô foi criticado porque com 14 atletas conquistou apenas três medalhas, embora representassem 16% dos pódios brasileiros. Dá para fazer alguma projeção para Tóquio?

Não. Só conseguiremos fazer esse tipo de projeção quando tivermos os nomes de quem vai para os jogos. Antes disso, seria apenas especulação sem qualquer dado estatístico.

O pan-americano sênior de 2016 rendeu 17 medalhas ao Brasil – sete ouros, quatro pratas e seis bronzes. O que você projeta para a garotada no Panamá?

A equipe é jovem, mas tem muita qualidade. Acreditamos neles e, por isso, foram convocados. Mas nosso maior objetivo é ganharmos experiência e darmos oportunidade para subirem no ranking da FIJ. Dessa forma, eles poderão posicionar-se melhor nas chaves de competições mais fortes, como grand slam e grand prix, e, assim, ter mais chances ganhar medalhas e consequentemente alcançar pontos importantes para entrar e ou se manter dentro da zona de ranqueamento olímpico.

Qual é o maior desafio deste ciclo olímpico?

Manter o judô brasileiro entre as principais potências do mundo.